Extração do livro "A grande Arte da Luz e da Sombra", de Laurent Mannoni

Os norte-americanos consideram Thomas Alva Edison (1847-1931) o inventor do cinema, em termos de técnica, espetáculo e indústria. Essa opinião um tanto xenófoba deve ser nuançada. Não apenas é preciso levar em conta trabalhos anteriores, mas é necessário saber também que o encontro de Edison com a projeção cinematográfica, que ele planejava desde o início de suas pesquisas, acabou afinal não acontecendo. Entretanto, é evidente que a obra de Edison no domínio das moving pictures é de primordial importância; e a historiografia francesa, ela também intencionalmente chauvinista, tem com frequência dificuldade em admiti-lo.
O quinetoscópio (kinetoscope), cujo nome aparece nos escritos de Edison em 1888, só foi explorado comercialmente em 1894. Tratava-se de um visor individual, na tradição das caixas ópticas do século XVIII. Mas, através do visor do quinetoscópio, podia-se

ver um filme cronofotográfico em 35 mm (formato que ainda hoje é utilizado, em cores ou preto-e-branco, mudo ou sonoro), representando uma pequena comédia animada, uma cena esportiva ou artística, interpretadas por atores de verdade ou figurantes. Será que compreendemos bem, na França, a importância desse acontecimento? A cronofotografia de Marey, nas mãos de Edison, deixou de ser puramente científica para tornar-se um verdadeiro espetáculo popular, que era o sonho de Demenÿ. Um espetáculo para voyeur, de uso individual, sem prejeção, na forma de uma máquina a tostão, permitindo que se ganhasse muito dinheiro. Esse argumento financeiro vai acelerar rapidamente a corrida para a invenção do projetor cronofotográfico com película de 35 mm.
O quinetoscópio de 1891 tinha quase a forma definitiva do aparelho de 1894. Era uma caixa de madeira (o modelo fabricado em 1894 media cerca 1,23m de altura; as laterais, às vezes decoradas, tinham 68,5 cm por 45,5 cm; todo o equipamento pesava aproximadamente 75kg). Olhava-se o interior graças a uma abertura existente na parte de cima da caixa. Uma lente ampliava as imagens do filme, que corria a grande velocidade e de maneira contínua, e não intermitentemente, como no quinetógrafo. A película (em torno de 15 m de comprimento, contendo cerca de 750 fotografias sucessivas), disposta em "anéis", fazia um percurso complicado, sobre uma série de rolos colocados no interior da caixa (9 rolos na patente de 1891, 18 no modelo definitivo de 1894, sem cortar os 2 rolos dentados que tracionavam o filme).
Edison e o Fonógrafo Óptico
É desnecessário resumir a vida de Edison: ela foi contada várias vezes, frequentemente de maneira hagiográfica. Sabemos que ele representa o ideal norte-americano do self-made man autodidata, tendo começado a vida como vendedor de jornais, para terminá-la à frente de uma poderosa indústria. Foi coberto de apelidos extravagantes: "maior inventor de todos os tempos", "o mago de Menlo Park", "o iluminador universal", "o mago elétrico". Mas deve-se a ele a invenção do fonógrafo, a despeito de certos precedentes - Léon Scott de Martainville (1857) ou Charles Cros (1877), por exemplo. Sem contar o misterioso aparelho usado por George Sand em fevereiro de 1870, e que não pode ter sido a máquina de Edison, que só foi inventada sete anos mais tarde:

Acabo de comprar uma caixa de música... Foi dispendiosa, mas digna de teu teatro, pode executar o sério e o alegre, as canções tristes, as canções de dança, os cantos patéticos, as vozes humanas. Numa peça séria, poderia tocar a abertura; uma prancha para colocar o instrumento e ele vai sozinho. Acredita-se ouvir uma pequena orquestra, e os sons são muito bonitos (George Sand, carta a seu filho, datada 3 de fevereiro de 1870, em Correspondence, vol. XXI).
Abandonemos esse enigma aos historiadores do som e não diminuamos o mérito de Edison, que é certo. O fonógrafo está de certo modo, aliás, na origem das pesquisas do inventor norte-americano em torno da imagem animada. Edison também foi influenciado por Eadweard Muybridge, que fez uma de suas conferências ilustradas pelo zoopraxiscópio em West Orange, Nova Jersey (a cidade onde estavam instalados os laboratórios de Edison), em 25 de fevereiro de 1888. Dois dias mais tarde, Muybridge visitou Edison, e ambos discutiram a possibilidade de unir as fotografias animadas ao fonógrafo. Essa versão dos fatos seria posteriormente desmentida por Edison: "Muybridge veio ao laboratório para me mostrar uma imagem de uma cavalo em movimento - nada foi dito a respeito do fonógrafo". Mas as palavra de Edison nem sempre são confiáveis. O artigo de um jornalista contemporâneo, publicado no New York World em 3 de junho de 1888, é bem claro a propósito da visita de Muybridge:
O Sr. Edison diz que o professor Muybridge, o fotógrafo dos instantâneos, fez-lhe uma visita recentemente e propôs-lhe uma combinação que, uma vez obtida, abrirá um campo quase infinito para a instrução e o divertimento. O fotógrafo declarou que recentemente realizara uma séries de experiências e aperfeiçoara uma dispositivo fotográfico graças ao

qual poderia reproduzir com exatidão o gesto e a expressão facial, por exemplo, do Dr. Blaine, no ato de fazer um discurso. Isso foi feito, disse ele, tirando-se 60 ou 70 fotografias instantâneas de cada posição assumida pelo orador e em seguida projetando-as numa tela por meio de uma lanterna mágica. Ele propôs ao sr. Edison o uso do fonógrafo em conexão com seu invento. Fotografias de Edwin Booth como Hamlet, de Lillian Russel em algumas de suas canções e de outros artistas distintos deveriam ser testadas. O sr. Edison, disse ele, poderia produzir com seu instrumento os sons da voz, enquanto ele, Muybridge, fornecia os gestos e a expressão facial. Essa idéia ganhou a aprovação do sr. Edison, que decidiu levá-la a cabo em suas horas de folga. (New York World, 3 de junho de 1888, apud Charles Musser, The Emergence of Cinema: The American Screen to 1907).
Mas Edison não parece ter se interessado pelo método de tomadas de vista empregado por Muybridge. O que na verdade tinha em mente era uma espécie de fonógrafo óptico. E antes mesmo de construí-lo já lhe buscava um nome: monógrafo parecia-lhe perfeito, mas seu advogado de patentes, Eugene A. Lewis, após ter consultado o ex-governador e erudito Daniel H. Chamberlain, aconselhou-o a adotar o nome quinesígrago. Contudo, esse termo já vinha sendo usado pelo inglês Wordsworth Donisthorpe: seu quinesígrafo de 1878 consistia na tomada de fotografias sucessivas de objetos em movimento por meio de uma câmera e um fonógrafo conjugados. Com isso, ele pretendia exibir na tela "uma imagem falada do sr. Gladstone". É bem possível, aliás, que o aparelho de Donisthorpe também tenha influenciado Edison. Assim, não sendo possível usar exatamente o nome do quinesígrafo, Edison optou por quinestoscópio [do grego kinétos, "movimento", skopeô, "eu olho"], para designar o visor, e quinetógrafo para o aperelho de tomada de vistas. Em 8 de outubro de 1888, Edison fez um requerimento de previlégio de invenção, isto é, um primeiro esboço de patente, sem o mesmo status legal de uma verdadeira patente:
Estou experimentando um instrumento que faz para o olho o que o fonógrafo faz para o ouvido, que é o registro e a reprodução de objetos em movimento, e de uma forma tal que seja ao mesmo tempo barato, prático e conveniente. Chamo esse aparelho de Kinetoscope "Moving View".
Em 1 de Outubro de 1888, é preciso lembrar, Marey anunciara o princípio de seu método fotocronográfico" à Académie des Sciences de Paris, e em 29 de Outubro do mesmo ano apresentara seus primeiros filmes em tiras sensibilizadas. O fisiologista estava portanto muito adiante de Edison, que apenas começava a mostrar algum interesse pela fotografia do movimento.
O historiador norte-americano Gordon Hendricks, em duas obras fundamentais publicadas em 1961 e 1969, reconstituiu com grande exatidão toda a história da invenção do quinetoscópio. Mais recentemente, Charles Musser estudou notavelmente a atividade da Edison Manufacturing Company. Assim, as informações que aqui trazemos provêm desses excelentes estudos, a que juntamos o ponto de vista da imprensa francesa e dados inéditos a propósito do quinetoscópio na França. Foi esse um momento histórico importante, posto que o aparelho de Edison teve significativa influência sobre as pesquisas francesas em torno da imagem em movimento.
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